Os erros de cálculo da formação (João Leite)

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Artigo de João Leite

A recente situação política saída das últimas eleições teve o condão de alimentar uma discussão impensada até ao momento sobre quem teria legitimidade para governar. A situação, contornadas as inclinações e as afiliações mais ou menos calorosas, é de análise simples, como aliás veio a verificar-se: sem sustentação objetiva, não há reflexões subjetivas que resistam !

Estimulado por esta evidência, fui levado a pensar na similitude do quadro concetual que se abate sobre a formação. De facto, não conheço ninguém que não reconheça à formação uma importância e um papel fundamental e incontornável. No entanto, quando chega a hora de se avançar para a formação, ela é tratada como coisa secundária e, não poucas vezes, como um constrangimento ou mesmo empecilho. Claro que a primeira reação de quem trabalha na formação é a de apontar o dedo a empresários e dirigentes pela incompreensão e falta de sensibilidade para uma aspeto tão importante. Ou seja, há votos que cheguem mas faltam as condições objetivas para que se faça !

Mas será que empresários, dirigentes e outros atores com responsabilidades nas organizações estarão enganados Não !

É tempo de nos virarmos para nós próprios, para o que fazemos e para a formação em geral e procurarmos as razões para perceber tão diferentes posições. E há, de facto, aspetos a encarar de frente e a corrigir se quisermos colocar a FORMAÇÃO no lugar que lhe é devido: a de uma dinâmica de um processo de desenvolvimento.

Ora, para que isso aconteça é necessário desfazermo-nos de alguns erros de cálculo que têm acompanhado a formação e que importa, de imediato, erradicar. A começar pela clara definição e assunção de quem é o CLIENTE da formação ! Não ! Não é o participante nas ações de formação! É a organização! A empresa! A instituição!

Não podemos desenhar a formação em função das pessoas, muito menos desenhá-la a partir dessa aberração que recebeu o pomposo nome de levantamento de carência ou necessidades de formação ! Perguntar aos colaboradores de uma empresa o que querem ou gostariam de ter como formação é uma abordagem que, tal como dizia no início deste texto, é defensável pela simpatia mas completamente contraproducente e débil na fundamentação. Por várias razões. A começar pelos vícios de forma da abordagem.

Há cinco defeitos capitais nesse exercício inglório:

1. ninguém vai identificar como necessidade aquilo que desconhece ou nem sabe que existe - eis a razão pela qual andam todos a fazer o mesmo e, curiosamente, todos a pedir o mesmo…, já para não falar dos catálogos de formação, venham de onde vierem, que oferecem todos o mesmo.

2. define-se como necessidade aquilo que está no menu - pedir às pessoas para sinalizarem as suas necessidades de formação a partir de uma lista contendo um conjunto de cursos…é obra! De pôr as mãos à cabeça! É como estarmos cheios de fome, entrarmos no restaurante e passarmos a ter fome apenas do que está na lista!

3. define-se como necessidade o que está na moda - não é curioso que, de repente, tudo necessita de Coaching ? E já não aconteceu o mesmo à Gestão do Tempo ? E a muitas outras designações que, a empurrão e bastante publicidade, acabam por se transformar na “ real necessidade “ de…todos ?

4. define-se como necessidade o que dá prestígio - muito associada à anterior mas com condimentos a atirar para a pertença e para o estatuto. Ficaram célebres as ofertas de formação em PAD ( Programas de Alta Direção ), só para dar um exemplo.

5. define-se como necessidade o que faz ruído - o que é fortemente publicitado, o que entra pela porta dentro sem pedir licença como recomendação da máquina devoradora da publicidade e que nos leva a crer que é mesmo daquilo que precisamos.

Todas estas formações podem estar muito bem desenhadas, organizadas de uma forma interessante e até, não raro, deslumbrarem as pessoas que venham a participar nelas. Mas a questão que é fundamental colocar é:

- o que ganhou a empresa com a ida daquela pessoa à formação ? Que problemas da empresa foram resolvidos ? Em que é que o serviço a que a pessoa pertence desenvolveu com a sua participação na formação ?

Conhecem a resposta a estas questões ? Em caso de dúvida, por que não perguntar a empresários, gestores e responsáveis ? Os tais que levam com o nosso olhar de desconfiança e são tidos como pouco interessados ou com pouca sensibilidade para estas coisas da formação.

É que se lhes perguntarmos ainda seremos brindados com um complemento de resposta que nos pode fazer abanar:

- não só não ganhámos nada como se tratou e uma despesa. A triplicar !

Pessoa não produziu enquanto esteve na formação, pagamos a formação e não houve qualquer retorno significativo para a empresa !

 

A formação precisa de estar alicerçada nos seus pilares essenciais e distintivos. Para tal há um conjunto de princípios que não pode deixar de lado, sob pena de continuar a ser vista como um apêndice.

Em primeiro lugar é preciso ter bem presente que a formação é uma ATIVIDADE, não um objetivo ! E se é atividade, tem custos. Então, ou se faz para ter retorno ( investimento ), ou é despesa. E ninguém está interessado em engrossar as despesas, por mais sedutor que seja o nome que ostente.

Por outro lado, a formação é um atividade que SÓ resolve determinado tipo de problemas: os de competência ( ser capaz de fazer / mão na massa )! Daqui resultam duas implicações importantes. Que é essencial fazer-se um diagnóstico da organização e, nesse diagnóstico, necessariamente com o envolvimento de todos, detetar os problemas – raiz que importa atacar com atividades e só quando os problemas a atacar são de competência ( não são capazes de… ), então é que faz sentido desenhar a formação ! Não formação em…, mas formação para !

Na sequência deste itinerário não é difícil esperar que os efeitos, impactes e resultados gerados pela formação voltem à zona que lhes deu origem:

- o contexto de trabalho !

É assim que alguns aspetos normalmente esquecidos, por negligência, incompetência ou a mistura dos dois, ganham força de orientação de fundo:

deve a formação explicitar que problema da organização vai resolver;
deve a formação definir quais os impactes e onde se vão verificar no contexto de trabalho;
deve a formação estar desenhada a partir de objetivos corretamente definidos ( os participantes, no final, vão ser capazes de + verbo de ação );
deve definir-se um caderno de encargos para a pessoa que frequenta a formação, para que quando regressar à empresa responda a três exigências mínimas:
- passar à restante equipa ( da empresa ) o que aprendeu;

- disponibilizar toda a documentação e referências recolhidas;

- selecionar e apresentar à empresa um projeto de mudança que vai dinamizar no contexto de trabalho a partir do que aprendeu.

É este o alinhamento que permite a entrada da sustentação objetiva em detrimento das reflexões subjetivas…, por mais calorosas que sejam.

dez.2015